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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Becicleta


Becicleta. Foi assim que grafei a palavra no meu exame de admissão ao
ginásio. Acho que nunca a houvera escrito antes, embora andasse em
minha boca e na de tantos garotos, loucos por uma Monark ou uma Calói
Havia também aquelas estrangeiras, importadas cujas marcas não se
pronunciava e muito menos se escrevia, mas babar à meninada fazia.
Raleigh, Gulliver, Merckswiss...
Mas a minha becicleta por pouco me deixa fora da reta, pois a prova de
português, a língua pátria do primário, era eliminatória e naquele
embate poderia significar o fim da minha incomeçada história, ou pelo
menos confiná-la a uma segunda edição, uma terceira, e não sei mais
não.
E o pior é que não foi uma única vez que incidi no erro: pois a prova,
além de constar de várias perguntas, tinha também a composição, que
por sua vez consistia na descrição de uma gravura. E justamente ali,
um menino com sua becicleta, e um ramalhete de flores.
Sabia como começar, pois algum mestre ou mestra já teria ensinado,
soprando a dica: descrição começa-se por dizer, vejo nesta gravura...
e o resto é literatura. Se o aplicador do exame mais atura.
Chegando em casa, ainda arfante daquela experiência ciclística no
papel, perguntei ao meu pai pela grafia em dúvida, buscando
assegurar-me do que podia vir pela frente. Bê, i, foi dizendo ele...
Pronto, tou perdido, disse comigo mesmo, engolindo aquele amargo
travo, quatro ou cinco vezes repetido, no papel.
Mudei de dúvida, para ver se me aliviava: qual o plural de qualquer?
Quaisquer, ora. Nossinhora, tava eu mesmo por fora. Havia escrito
qualqueres...E agora?
Quando anunciaram os resultados, consegui um 5,8. A iminente tragédia
havia virado com média. Que mérdia? E dali pra frente tudo foi
diferente, e o Roberto, já bem perto, mas ainda incerto, nem
incomodava a gente.

Paulo Miranda
Crônica publicada no Recanto das Letras
imagem captada na web

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